Faculdade de Educação
Departamento de Teoria e Fundamentos
Área de Educação Especial e Inclusiva

 

 Brasília, 27 de outubro de 2020.

 

 

Nota de repúdio da área de educação especial e inclusiva, do Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação/UnB sobre o Decreto 10.502/20, que trata da Política Nacional de Educação Especial.

 

  1. Nós professoras da área da Educação Especial/Inclusiva, do TEF-FE-UnB repudiamos fortemente tanto o Decreto nº 10.502, assinado em 30/09/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial, quanto o tom ufanista do vídeo de divulgação desse documento, que surge de repente, sem a necessária discussão com a comunidade representante das pessoas com deficiência. Essa forma de elaboração é estranha ao histórico dos movimentos sociais representativos e contradiz o lema “Nada sobre Nós sem Nós”, amplamente aceito e norteador da discussão da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU de 2006, ratificada no Brasil como emenda constitucional pelo Decreto Legislativo 186/2008 e pelo Decreto 6.949/2009.
  2. O referido decreto não pode ser caracterizado como política já que não decorre do amplo debate público, retoma práticas vivenciadas em nosso país nas décadas de 1970 e 1980 e apresenta propostas que se opõem às conquistas legais e políticas das quais o Brasil é signatário. Desconsidera, portanto, dispositivos legais como nossa Constituição Federal (1988), a citada Convenção da ONU (2006) e a Lei Brasileira de Inclusão (2015), com decorrente esvaziamento de verbas e políticas de formação profissional docente e promoção de uma educação inclusiva.
  3. O decreto retoma princípios avessos à inclusão plena, como as concepções do capacitismo biologizante, incompatível ao processo histórico que vínhamos construindo, de uma sociedade e cultura inclusivas. A Escola é para todas e todos e qualquer política que autorize práticas segregacionistas é discriminatória. Legislar por decreto é exceder seu poder executivo e desconsiderar os avanços democráticos do nosso país.
  4. Consideramos relevante a compreensão sobre as diferenças já que elas são as bases à inclusão. Luta política, discriminação, luta pelo direito de serem cidadãos, a terem acesso aos diferentes espaços, a terem direito à saúde, à educação, enfim, ao exercício pleno da cidadania.
  5. Compreendemos o direito das pessoas surdas terem uma educação bilíngue de fato, com reconhecimento a sua língua como primeira língua e a língua portuguesa, como segunda língua. Assim, como a devida valorização à cultura surda.
  6. No entanto, parece ainda não haver compreensão de que, a inclusão escolar, como um direito humano, social, é a base para que os direitos de aprendizagem, linguísticos, culturais e subjetivos da comunidade surda possam ser sustentados. É preciso um alicerce geral de direitos e cidadania, sem que se perca de vista a peculiaridade e a singularidade de cada um e cada uma.
  7. Porém, ao invés de coesão, o decreto instaura a divisão dos movimentos, pois:
    a) a educação especial e inclusiva precisa dialogar com práticas interseccionais, decoloniais, antirracistas e interculturais que revisam o modelo de escolas homogeneizadoras e normativas;
    b)nem sujeitos nem famílias foram convidados a participar da construção desse documento que proclama conceder direito de escolha, isentando o estado de responsabilidades e abrindo alternativas questionáveis;
    c)desconstrói ganhos sociais, culturais, humanos e inclusivos de outras comunidades e sujeitos afetos à educação especial; retira a transversalidade da educação especial que constava na Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, ponto importante que fundamenta e assegura o ensino inclusivo desde a Educação Infantil ao Ensino Superior;
    d)assim como há especificidades linguísticas para o grupo de pessoas surdas, os corpos e subjetividades das crianças autistas, com deficiências visuais, físicas, múltiplas não podem ser circunscritos a uma deficiência. Há atravessamentos de questões sociais, históricas, econômicas, de gênero, étnico-raciais, entre outras, que os constituem como sujeitos pluriepistêmicos desde suas culturas, o que exige uma política pública que ofereça ações educacionais que garantam uma educação plural, integral e verdadeiramente inclusiva.
  8. a educação especial e inclusiva precisa dialogar com práticas interseccionais, decoloniais, antirracistas e interculturais que revisam o modelo de escolas homogeneizadoras e normativas;
  9. nem sujeitos nem famílias foram convidados a participar da construção desse documento que proclama conceder direito de escolha, isentando o estado de responsabilidades e abrindo alternativas questionáveis
  10. desconstrói ganhos sociais, culturais, humanos e inclusivos de outras comunidades e sujeitos afetos à educação especial; retira a transversalidade da educação especial que constava na Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, ponto importante que fundamenta e assegura o ensino inclusivo desde a Educação Infantil ao Ensino Superior.
  11. assim como há especificidades linguísticas para o grupo de pessoas surdas, os corpos e subjetividades das crianças autistas, com deficiências visuais, físicas, múltiplas não podem ser circunscritos a uma deficiência. Há atravessamentos de questões sociais, históricas, econômicas, de gênero, étnico-raciais, entre outras, que os constituem como sujeitos pluriepistêmicos desde suas culturas, o que exige uma política pública que ofereça ações educacionais que garantam uma educação plural, integral e verdadeiramente inclusiva.
  12. Para além dos aspectos anteriormente mencionados, o Decreto nº 10.502/2020 desobriga o Estado brasileiro a apoiar financeira e tecnicamente a organização de sistemas educacionais inclusivos públicos, “terceirizando” a educação especial para instituições privadas. No que se refere à formação de professores e estudantes universitários, tal normativa representa um retrocesso pois incentiva o modelo ultrapassado de formação de “especialistas” para atuar com os estudantes da educação especial, incentivando práticas corporativistas e assistencialistas que legitimam a exclusão pela deficiência.
  13. Faz-se necessário pensar a educação como experiência da pluralidade, levantar questões em prol da independência, autonomia, aprendizagem e participação de todas e todos os sujeitos com deficiência. Tarefa para cada um e uma de nós!

 

Cristina Massot Madeira Coelho
Edeilce Aparecida Santos Buzar
Fátima Lucília Vidal Rodrigues
Liège Gemelli Kuchenbecker
Márcia Francisca Diogo Rodrigues
Sinara Pollom Zardo

 

Apoiado pelo Colegiado do Departamento de Teoria e Fundamentos, em reunião ordinária de 27/10/2020 e pelo Conselho da Faculdade de Educação em 29/10/2020.